quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Jogos Para Sempre

Veja trechos do livro "A América aos Nossos Pés" de Eduardo e Fernando Bueno:

O DIA EM QUE A NAÇÃO TRICOLOR TORCEU PELO VERMELHO

Se você nasceu depois de 1983, talvez não acredite. Mas pode maldizer, cuspir, xingar e se estrebuchar: esse dia de fato existiu. Até os tricolores mais empedernidos, fanáticos e radicais torceram loucamente pela vitória dos vermelhos. Pelo menos esses, embora bípedes, não pertenciam a ordem dos primatas: eram Los Diablos. Anote aí a esdrúxula data: 15 de julho de 1983.
O dramático empate em La Plata deixara a decisão da vaga à final para a última rodada - e o pior é que o Grêmio definiria seu destino sem entrar em campo.
Com cinco pontos na tabela, o imortal tricolor tinha o mesmo saldo de gols do Estudiantes, que, com três pontos ganhos, enfrentaria o América em Cáli. Ou seja: vitória argentina por qualquer placar significaria o fim das esperanças gremistas. Com apenas dois pontos, além de já estar desclassificado - e vestir vermelho -, o América tinha quatro jogadores argentinos na equipe...
Acontece que, além de bravos e honrados, os colombianos também haviam sido violenta e covardemente agredidos no "potrero" de La Plata, na partida do dia 1º de julho, quando forma derrotados por 2 X 0. Por isso, diziam-se dispostos a "jugar a morir" em Cáli, independentemente de não terem mais chances na competição. Mas o seguro morreu de velho, e Fábio Koff - que já havia encaminhado os protestos oficiais do Grêmio contra os Estupefacientes, ops, erramos de novo, contra o Estudiantes - decidiu oferecer bicho extra para o time conhecido como "El Báron Rojo" mas o presidente do América, o treinador de equipe, Gabriel Uchoa Uribe, e os jogadores recusam a proposta: "no es necessário, señor Koff. Somos hombres honrados e vamos a jugar com honor". E ainda convidam Koff para assistir ao jogo do dia 15 de julho. E ele vai, é claro.
O presidente do Grêmio desembarca em Cáli exaltando a bravura e a honradez do povo colombiano, dos jogadores da América e de seus quatro argentinos, principalmente de "El Gato", como é chamado o goleiro Falcioni. Naquela noite de sexta-feira, a banda "Del Diablo" explode na platéia sul, no instante em que Koff e o presidente da América chegam as tribunas do estádio Pascual Guerrero. A banda louca da geral deles canta e abre uma bandeira enormne com o mascote do time: " El Diablo Rojo".
Nela, está escrito: "América: pasión de un pueblo". Koff se emociona econclui: "Eles vão jogar para valer".
E tão a valer que, aos vinte minutos do primeiro tempo, já tem jogador do américa expulso: Espinoza vai para o chuveiro mais cedo por jogo violento. Koff, com dores lansinantes nas costas, retorce as mãos nas tribunas. Na fria e silenciosa noite de Porto Alegre, só se escuta voz anógena dos narradores zumbindo de casa em casa - e não é só a nação tricolor que está com o ouvido grudado no rádio. O Estudiantes parte para cima, e o América se defende com unhas e dentes - especialmente aos pés de seus zagueiros e as mão de El Gato: sim, o goleiro argentino Falcioni é o melhor em campo. Quando ele não pega, é a trave que defende.
Koff quase enfarta, mas o primeiro tempo chega ao fim.
Restam só mais 45 minutos. Só?
O América volta com mais força e equilibra o jogo, o que deixa os argentinos enlouquecidos. E "Hermano" fora de si significa "hermano" no chuveiro: aos 6 minutos do segundo tempo, Agüero é expulso. "Pelo menos agora são dez contra dez", suspira Koff. O jogo segue duríssimo, mas o Estudiantes não consegue dobrar a fibra e a raça do Barão Vermelho. Quando o jogo enfim termina, o foguetório em Porto Alegre é ensurdecedor: ele marca a chegada do Imortal Tricolor às finais da Libertadores e também o início do êxodo de quase um terço do Rio Grande do Sul.
Entrevistado pelas rádios em Cáli, Koff grita com a voz rouca e rascante: "Ninguém mais segura o Grêmio. Seremos campeões da América". Em Porto Alegre, De León, que ouvira a partida em casa, sofrendo ao pé do rádio, como todo mundo, provoca: "Que venha o Peñarol! Nunca perdi decisão para eles". Enquanto isso, a exultante nação tricolor toma as ruas de todo o Rio Grande em êxtase - tanto pela classificação quanto pelo fato de que terminou o suplício de precisar torcer para o vermelho. Mas sabemos ser gratos: obrigado, América! Ao que parece, não é todo o "vermelho" que vem de "verme".

Um comentário:

  1. Muito bom texto. Além disso, um belo blog.
    Gostaria de incluí-lo em minha lista de links em troca da reciprocidade, para divulgar um pouco mais nossos blogs.
    Um abraço.
    Thiago Tramontini
    elzaguero.blogspot.com

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